Saturday, January 03, 2009

Era noite de ano novo e Kitty, apelido de Maria Quitéria, não estava feliz. Não entendia o porquê de toda essa excitação pela virada de ano - para ela a troca do dia 31 de dezembro para 01 de janeiro não era diferente de qualquer outra mudança de mês – e realmente detestava ter que colocar roupa e calcinha nova além de um sorriso no rosto e fazer festa com seus pais, comendo lentilha e pulando as sete ondas na praia.
Num ímpeto de se libertar, Kitty pegou seu buggie amarelo – queimado e dirigiu rumo à parte deserta da praia, onde só havia pedras à beira do mar. Escalou – as e sentou – se na mais alta, contemplando o céu estrelado que no momento encontrava – se com a água, que sumia na escuridão. Por algum motivo, desconhecido até para os cientistas mais experientes da Nasa, a lua tinha sumido como num eclipse que já durava horas, tornando a noite mais escura do que nunca, exatamente como Kitty gostava.
Após um tempo ali, no silêncio total, olhou em seu relógio Swatch e viu que faltava um minuto para a meia noite. O tique taque do relógio ecoava na praia, praticamente obrigando Kitty a cronometrar os segundos até a tão esperada hora, que teoricamente, era capaz de mudar o mundo. Faltando cinco segundos para a meia noite ela fechou os olhos. Morria de medo de fogos de artifício, e assim, fez a contagem regressiva, para não ser pega de surpresa com o barulho.
O relógio completou seu círculo anunciando que a hora zero chegava, o céu iluminou – se com todas as cores do arco – Iris, e Kitty, ainda com os olhos fechados, sentiu lábios tocando os seus. No susto ela foi pra trás, escorregando e quase caindo de cabeça nas pedras, se não fosse por aquele braço que rapidamente a segurou e puxou – a para perto de seu corpo. Agora Kitty abria os olhos e deparava – se com um guri, um pouco mais velho que ela, de olhos azuis cristalinos, pele bronzeada e o sorriso mais branco que já vira.
- Desculpa. Mas dizem que devemos beijar alguém a meia noite de Reveillon. Eu não acredito em superstições, nem nessa data, mas resolvi pelo menos uma vez na vida tentar acreditar.
- Tudo bem. Eu também não acredito em superstições ou na data de hoje. Mas obrigada pelo beijo, foi revigorante.
O guri não identificado sorriu e sentou – se na pedra, tirou de um bolso uma carteira de cigarro, e do outro, uma garrafinha de whisky. Ofereceu a Kitty que prontamente sentou – se e aceitou a oferta. Os dois ficaram ali, fumando e conversando, até que a atração entre eles era muito forte para agüentar e eles cederam à tentação, beijando – se com vontade, como se o mundo tivesse parado de girar.
Entre beijos, conversas e cigarros Kitty perdeu a hora. Quando deu por si, estava deitada em uma pedra enquanto o sol despontava no horizonte. Olhou para os lados e nada do menino misterioso de quem nunca perguntou o nome. Resolveu ir para casa já que sabia que seus pais deveriam estar enlouquecidos à sua procura.
Durante o trajeto para casa, reviveu em sua mente todos os acontecimentos daquela noite: os beijos, as longas conversas, a sensação de segurança e felicidade. Kitty estava em estado de êxtase, mas isso logo mudou ao estacionar seu buggie na frente de casa e ver duas viaturas da polícia. Entrou em casa correndo para encontrar sua mãe aos prantos, seu pai furioso e, vários policiais a encarando.
Passada a confusão ela dirigiu – se ao quarto, onde deitada na cama voltou a seu prévio estado de êxtase. Encarava o teto pensando quem era o guri misterioso e onde estaria naquele momento. Os dias se passaram, e nenhuma notícia. Kitty não sabia onde nem como procurar. E foi numa conversa informal com o padre de sua igreja que entendeu o que acontecera na noite de ano novo: uma renovação da esperança há muito tempo perdida pela menina.
Até hoje ela não sabe se o que aconteceu foi em decorrência do Reveillon, ou se foi pura coincidência, mas Kitty agora vê o mundo, e suas tradições, com outros olhos. Olhos esperançosos, felizes, e sempre procurando por aquele alguém que um dia a fará se sentir nas nuvens de novo.